Viajando de São Paulo a Santos, no conforto dos carros (trens de passageiros) que desciam ou subiam no Alto da Serra (atual Paranapiacaba), os arredores não passavam despercebidos aos olhos dos viajantes que após a região de campos, viam uma ampla e não mais monótona paisagem descortinar-se ao iniciarem a descida: as escarpas à direita, o morro da boa vista à esquerda, os relevos aparecendo um a um atrás do outro e cobertos por diferentes tons de verde como uma pintura. Esses relevos marcaram e marcam a memória assim como Pico do Jaraguá, que completou em 3 de maio de 2021, 60 anos de sua criação como Unidade de Conservação.
Suspeito que o arrepio causado por essa paisagem do Alto da Serra e do vale do rio Mogi naquele tempo era tão marcante quanto o apito de partida da maria-fumaça ainda na presença dos familiares que se despediam em São Paulo.
Entre aqueles passageiros esteve um alemão de barba volumosa que certo dia de 1908 desembarcou naquela antiga estação do Alto da Serra, em Paranapiacaba. O então diretor do Museu Paulista, o médico naturalista Hermann Frederich Albrecht von Ihering foi um dos visitantes, enquanto conduzido por Mathias Wacket verificava a possível aquisição de áreas para a criação de um Parque, uma área que seria como já existia em outros países, protegida da devastação onde seria mantida uma floresta protetora: produtora de águas, além de servir à pesquisa e amostra às futuras gerações daquilo que é um pequeno trecho do bioma em seu estado mais conservado.
Em 26 de abril de 1909, Ihering conseguiu pôr em prática o seu objetivo, criando com recursos privados o Parque Cajuru em uma daquelas áreas avistadas por quem passava de trem. Atualmente Reserva Biológica do Alto da Serra de Paranapiacaba, a unidade de conservação mais antiga do país, a primeira estação biológica da América do Sul e a primeira Reserva Biológica do Brasil. Anos antes o presidente de São Paulo, Bernadino de Campos decretou a desapropriação de uma área na Pedra Branca, na zona norte da capital paulista, para a criação de uma área com outro fim, um horto botânico, o que hoje é o famoso horto florestal, o Parque Estadual Alberto Loefgren contíguo ao Parque Estadual da Cantareira.
Importantes pesquisas foram feitas na Reserva Biológica, onde até hoje tem o acesso muito restrito, como previsto no Sistema Nacional de Unidades de Conservação.
Foi principalmente durante a gestão do criador do naturalista Frederico Carlos Hoehne entre 1917 e 1952, quando já estava sob gestão do Estado, que a Reserva Biológica recebeu as efêmeras pegadas de visitantes ilustres como Marie Skłodowska Curie, Irène Joliot-Curie, Adolpho Lutz, Bertha Maria Júlia Lutz, Nikolai Ivanovich Vavilov, Margaret Mee, entre outros. Efêmeras porque as pegadas nessa área podem durar menos de 24 horas, sendo lavadas pelas chuvas e as gotas que se acumulam e escorrem se soltando no ápice das folhas. Essa chuva que hoje assusta e espanta muitos turistas na atualidade, foi admirada por muitos, como Marie Curie que junto a filha, desejava ir embora mais tarde se possível e foi deixada pelo grupo que a acompanhava na visita.
A Reserva Biológica do Alto da Serra de Paranapiacaba é uma unidade de conservação pequenina se comparada a outras como o Parque Estadual da Cantareira e o Parque Estadual Serra do Mar, mas tem sua relevância histórica, pelas pegadas deixadas, apesar de efêmeras. Uma unidade de conservação é importante pela fauna e flora que preserva, pelas águas que produz, e sua história deve ser mais um dos motivos para sua celebração. Mas em vez de construir uma calçada da fama que conserve por centenas de anos suas pegadas, a estrela da vez é a própria área que merece ser conservada o mais próximo daquilo que os visitantes ilustres admiraram e um dia diremos aos nossos netos ou outras crianças que ali estiveram tais pessoas que registraram seus nomes na história e na ciência.
Ao noticiarem o incêndio do Museu Nacional do Rio de Janeiro, ocorrido em 02 de setembro de 2018, a visita de Madame Curie que ocorreu em 29 de julho de 1926, frequentemente foi e é lembrada. Em 2016, por exemplo, o Museu Nacional criou um evento em celebração aos 90 anos da visita de Madame Curie, intitulado “Mulheres na Ciência e na história – 90 anos da visita de Marie Curie ao Museu Nacional”. Para ilustrar a página estão na foto alguns homens Alípio Miranda Ribeiro, Hermillo Bourguy de Mendonça, Alberto Betim Paes Leme, um não identificado e as mulheres Heloísa Alberto Torres, Madame Curie, Irène Joliot-Curie e Bertha Lutz.
Está claro a importância histórica da Reserva Biológica do Alto da Serra de Paranapiacaba, ainda assim cinco dias antes do seu aniversário de 112 anos, a Reserva Biológica do Alto da Serra de Paranapiacaba ganha um espaço no Diário Oficial com a Portaria de número 003.04.2021 O presidente do Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico Artístico Arquitetônico-Urbanístico de Santo André e a Secretaria de Cultura deliberam, está aberto o processo de estudo do tombamento desta Reserva e da Casa do Naturalista, construída durante a gestão de Frederico Carlos Hoehne para substituir uma outra casa do Cajuru.
Que a sociedade valorize cada vez mais não apenas a nossa biodiversidade, mas o caminho percorrido para chegar até aqui. A história tem sua importância não somente ao falar das cidades, mas também das florestas.
O SIADES tem parte na história da conservação e valorização das unidades de conservação de Paranapiacaba, pois foi durante o projeto “Conexões na Mata Atlântica: uma rede de oportunidades para a conservação”, financiado pelo Fundo de Gestão Municipal e Saneamento Ambiental de Santo André (Fungesam) do SEMASA, esteve e estivemos juntos durante meses de 2019 sensibilizando e dialogando com a população e professores da rede pública de ensino sobre assuntos como conservação e desenvolvimento sustentável. Além disso atuamos, no âmbito do mesmo projeto, no Parque Natural do Pedroso, também no município de Santo André.
Israel Mário Lopes
Monitor ambiental e cultural de Paranapiacaba, guia de turismo, educador socioambiental e consultor externo do SIADES.